PROSA SECA

Todos, sem exceção, dormem nesta cidade de êxtases e fracassos. Mas a árvore de minha solidão está de pé, com seus frutos acres a lacrimejarem meus olhos de mel agudo. Choro por todas as crianças perdidas, por todos os amantes abandonados e nem sei dizer por que choro por mim, se deveria ter uma noite calma e voluntária de insônia. Talvez chore por a cidade estar morta, pomar apodrecido repleto de hienas e urubus. Falta-me uma esperança qualquer, que me garanta uma nova humanidade, que revitalize portos ou postais ou mesmo um desejo de naturalizar-me à pátria onde nasci.

Meu vínculo umbilical está à deriva no lixo do universo. A indignação emprestou-me o seu sobrenome e dele tento me livrar à exaustão. Estou exausto em não encontrar explicações nem notas de nascimento – os jornais só publicam óbitos e crimes. Tantas mortes e seqüestros hediondos, e a minha apatia e a de meus primeiros conterrâneos, que ainda não se livraram do estigma colonial de Santa Cruz.

A minha cidade é um retrato vivo da desordem à qual nos acostumamos chamar de tempos difíceis. Não há tempo difícil, há tempo, massa de modelar à espera de mãos que se queiram anonimamente sábias, não orgulhosas por títulos e estatísticas grandiosas. A minha cidade é hoje um ovo quebrado sem a glória do passado de ter sido alimento. Há protestos vivos em mim, faixas e cartazes onde se lê: perplexidade.

A noite dorme, eu penso. Sei como são as coisas. Nada mudará, ainda que eu saia nu às ruas com o corpo cravado de espadas a sangrar uma natureza de rosa não minha. Ninguém está disposto a acordar e a, pelo menos, lamentar o meu destino de flor insultada. Choro, sem limites, sobre o colo ralo de quem me pariu e não se lembra do meu nome.

 


2008