BODAS DE TODO-DIA

Eu te amo
quando você menos suspeita
no pátio das lembranças
na confissão ao analista

Eu te amo
quando você mais duvida
no mistério de sempre estar
no adeus arrependido

Eu te amo
quando você desiste
no aumento do aluguel
na brevidade dos ex-amores

Eu te amo
quando você intervém
na rudeza do ciúme
no grito desaconselhado

Eu te amo
quando você precisa de paz
no sono atrasado de semanas
no silêncio do walkman

Eu te amo
quando você despreza a sordidez
no tapa do pai ao filho
na ignorância cruel das manchetes

Eu te amo
quando você me beija
na entrega do quarto
na multidão do Saara

Eu te amo
quando você nem liga
no momento que deveria
no tempo que merecia

Eu te amo
quando você me ama
na mão que não se separa
no olhar que se prolonga

Eu te amo
quando você não me ama
no enredo do filme
na distração de nem ouvir

Eu te amo
quando você me acorda
na manhã de mais uma labuta
na madrugada insone

Eu te amo
quando você se envolve
na desatenção das babás
na cumplicidade das crianças

Eu te amo
quando você só gosta muito
na desilusão de cada espera
na esperança de todos os natais

Eu te amo
quando você adormece
nas flores do travesseiro
nas orações a que recorro

Eu te amo
quando você perde a paciência
no atraso da pizza
na reunião de condomínio

Eu te amo
quando você não volta
no horário combinado
no calendário certo de voltar

Eu te amo
quando você volta
no horário antes do combinado
na correria de nem dizer

Eu te amo
nas sombras da maré cheia
nas promessas do pescador

Eu te amo
quando você aposta
no cheque pré-datado
no teste da revista

Eu te amo
quando você acredita
na previsão de chuva para amanhã
no voz dos astros e dos signos

Eu te amo
quando você pede socorro
no sofá da sala
na subida do avião

Eu te amo
quando você me encontra
na companhia das plantas aborrecidas
no quintal ensolarado que compraremos

Eu te amo
quando você fala pelos cotovelos
na vontade de dormir
na caminhada de domingo

Eu te amo
quando você acha tudo chato
na troca das estações
na entressafra das horas

Eu te amo
quando você vem às pressas
na calada da noite que não passa
na ânsia de esclarecer o mal-entendido

Eu te amo
quando você morre de calor
no verão do apartamento
no auge do meu outono

Eu te amo
quando você se esquece
no aquecedor ligado do banheiro
no aniversário de namoro

Eu te amo
quando você faz contas
nos dedos
no pretérito do futuro

Eu te amo
quando você exagera
no perfume
no elogio pouco sincero

Eu te amo
quando você busca saída
na condição humana
no desenho sobre a mesa de jantar

Eu te amo
quando você olha o mundo
no bocejo dos bebês
na fé de um deus com quem nem conversa

Eu te amo
quando você me observa
na guarda das compras do supermercado
na saída para o trabalho

Eu te amo
quando você se confunde
no número da sua identidade
na cor dos meus olhos

Eu te amo
quando você me chama para conversar
no canto da cozinha
no inesperado do corredor

Eu te amo
quando você me corrige
no pronome embaralhado
na concordância impulsiva

Eu te amo
quando você diz sim
na alegria, na tristeza
na saúde, na doença

e eu
diante do altar de mais um dia
aceito.

 

2007