CLEPTOMANÍACO

Sim, confesso. Sou um ladrão de canetas. É irresistível vê-las passando por meus olhos, querendo minhas mãos. Sinto muito. Pego mesmo. E dou-lhes, quase sempre, o destino da poesia. Quanto prazer escrever um verso com aquela caneta feiinha, já quase sem tinta. Ou então, batizar um novo caderno – até hoje é neles onde escrevo -, com uma caneta zero quilômetro, viçosa, que mesmo encostada num canto da mesa recebe olhares maliciosos de todos os tipos de papel.

Minha vida – acho que a de todos nós - é resistir às tentações. Sempre de regime, sempre atento para não pular as cercas, sempre alerta para cumprir o que me foi ensinado. Tento, com sinceridade, ser um bom homem. Mas quando vejo uma caneta, todos os mandamentos vão por água abaixo. Viro um pirata, um reles ladrão, que se livra da culpa oferecendo versos ao mundo de graça.

Quer presente mais glorioso que uma caneta? Não precisa ser de ouro, uma esferográfica já me faz feliz. Presente igual só mesmo ganhar um caderno, com aquelas folhas todas em branco pedindo: me dá poesia, eu tenho fome de mundo. Mas cadernos não costumo roubar. Compro nas papelarias ou aguardo o presente dos amigos – pode ser simples, com as ancas em espiral; pode ser de capa dura, que, quando se abre, sai passarinho para todos os lados. Mas canetas...

Portanto, cuidado com a minha compulsão e, principalmente, com o meu faro de ave de rapina: sinto, de muito longe, o perfume intraduzível da tinta que corre pelas veias de qualquer caneta. E seja noite, seja dia, farejo até alcançar minha presa predileta. E com ela, às mãos, ser o homem mais honesto do mundo.

2007