EQUILÍBRIO

Tento conter entre os dedos, sem amassar
o tempo da infância.
Lá, onde nada pude - eu não era mais criança.
Fingia bem e tanto, que acreditavam
me dando brinquedos e quinquilharias enfadonhos
agradecidos sempre com sorriso em disfarce.
Lembro que já me enfastiavam as manhãs de domingo
feitas especialmente para os meninos:
parques (intermináveis)
praias (insuportáveis)
visitas (intoleráveis).

Eu era a contramão de meu pequeno tempo
preferindo o silêncio, a solidão, quando permitidos
e ia dormir mais cedo.
Ali, onde tudo podia,
eu ficava no teto inventando desejos.

Nunca gostei das brincadeiras propostas
eu propunha: cenas
de romance ou casamento eterno.
Aos seis eu já amava para sempre
Aos sete já abandonava para nunca mais
Aos oito já voltava para ficar de vez.

Ficava escondido entre os anos
tentando adaptar a não pedida maturidade vinda.
Até que cresci sem perceber - um dia acordei
e tempo e corpo se encaixaram.

Hoje já nada escondo, guardo
a surpresa de me reconhecer finalmente infantil.
Na agenda, anoto
a solução para o caso complicado do super-herói aprisionado
o nome do filme sem querer capturado numa tarde da TV
o cheiro do amor a ser lembrado a cada movimento do ar.

O novelo, anteriormente desfiado, inteira-se:
vida, por si só, vida, de nome desconhecido.

Um dia acerto o passo
e equilibro ranços e invenções na dança do tempo.
Quando poderei dizer com conhecimento de causa
se Deus é velho ou novo quando toda manhã, às onze
atravessa apressado a Rua do Carmo
com uma quentinha debaixo do braço.
Não sou só eu que tenho fome de futuro.

 

2005