O ESPÍRITO DA POESIA: HÁ ALGUÉM AÍ ?

Esse episódio aconteceu em 1994. A Casa da Leitura, em Laranjeiras (RJ), muito gentilmente me convidou, no dia do meu aniversário, para um ciclo de encontros com escritores. Era um sábado e, para minha surpresa, além dos meus convidados, tinha um público já fiel ao projeto.

Era para falar do meu trabalho poético. Preferi não preparar nada muito formal, deixando que as lembranças viessem. Lembro que eram três fileiras de cadeiras para cada lado do salão, com um cadeira no meio ao fundo, onde me sentei. Atrás de mim, uma pequena janela com uma cortina branca.

E estava indo tudo muito bem, até que em determinado momento a cortina fez um movimento brusco, como se uma enorme ventania fosse começar. Mas nada. Foi apenas um vento forte que pareceu querer entrar e participar. Brinquei: “Seja bem-vindo”.

Logo em seguida retomei meu raciocínio, falando de como era meu processo criativo – mais baseado na inspiração que na transpiração -, de como a poesia me interessava muito mais do que a própria vida, que escrever poemas era muito mais importante que publicar livros etc. etc. etc.

Até que comecei a escutar um murmúrio, vindo da última fileira do meu lado direito, que não passava. Não era conversa paralela, nem parecia rádio ligado, algo estranho, como uma reza. Quando o volume da voz começou a interferir na minha fala, fiquei em silêncio, olhando para o local – não conseguia perceber de onde exatamente vinha o murmúrio.

Eis que no silêncio, uma mulher na última fileira à minha direita retoma seu encosto na poltrona – ela estava agachada – e pude ver o seu rosto. Tinha uns 50 anos, morena. Me olhando fixamente, disparou: “Fale dos textos que você escreveu sobre mosteiros”. Mosteiros? “Realmente é uma palavra linda, já devo tê-la escrita em alguns poemas, mas sinceramente não me lembro”. E respondeu, lacônica: “Você sabe do que eu estou falando. Mas tudo bem”.

Retomei a fala meio sem graça, mas muito curioso. Ao final, na hora dos cumprimentos, ela se apresentou a mim e perguntou se eu não faria uma apresentação na instituição de idosos que ela cuidava. “Com o maior prazer”. Mas eu sabia que ela jamais me procuraria. Antes de ir embora, no entanto, me deixou um recado: “Nunca deixe de escrever. No dia que você parar, você morre”. Aí recorri à Santa Clarice, com o famoso “Quando não escrevo, estou morta” e ela mais uma vez sentenciou: “Você sabe do que eu estou falando. Mas tudo bem”.

Mesmo não sabendo exatamente sobre o que ela estava falando – imaginar eu já imaginei milhares de coisas -, desde então, todo dia eu faço, nem que seja rapidinho, um carinho na poesia.


2007