GRUPO DE POESIA: VAIDADES COLOCADAS À PARTE

Desde 2005, faço parte do grupo Nós da Poesia, atualmente formado por mim e pelas poetas Adele Weber, Helena Ortiz, Iracema Macedo, Lila Maia e Maria Dolores Wanderley. De 1996 a 2005, eu, Adele, Lila e Maria Dolores integramos o grupo Letra Itinerante.

Sempre me perguntam como os grupos de poesia funcionam, se estudam os mestres, se neles acontece apenas uma leitura, enfim. Acredito que cada grupo desenvolva suas atividades de forma diferente. O Nós da Poesia se reúne de 15 em 15 dias na casa de Adele, em Laranjeiras (RJ), para discutir, para valer, as produções poéticas de cada integrante – ocasionalmente, recebemos visitas ilustres que acompanham os trabalhos.

Em nossas reuniões, cada poeta leva de um a três poemas que são exaustivamente lidos e comentados pelos participantes. A regra é a seguinte: todo mundo pode falar o que quiser sobre o poema do outro, e as sugestões podem ou não ser aceitas. O mais importante é que deixamos as vaidades de lado e buscamos o melhor para os nossos poemas.

Essa liberdade vem permitindo a todo o grupo o exercício fantástico de, através do trabalho alheio, analisar o seu próprio. Muitas vezes levo poemas que me parecem acabados, mas algo me diz: “Será?”. E aí chego lá e fica bem claro que ele não estava fechado. Outras vezes, a surpresa acontece e o poema pode dormir tranqüilo.

Para a minha poesia, esses encontros são fundamentais, principalmente por estar, hoje, trocando idéias e emoções com poetas de primeira linha.

Lila Maia (A idade das águas, Céu despido) escreve muito próximo da maneira que eu realmente gostaria de escrever, sou seu fã número um. Poemas apaixonados, livres e muito, mas muito bem amarrados. Tenho com a Lila uma relação de profunda admiração poética. Quem não gostaria de ter escrito o poema “Inesgotável”?

Já fui tão antiga querendo ser feliz.
Mas ele chega louco demais para o meu corpo.
Me arrasta, porque sabe que serei magma
neste doce deslumbramento das marés altas.
E feito um guerreiro suas mãos tocam
onde só existe falta.
Este homem me habita com fúria e pássaros.
                                        (em Céu despido)

Adele Weber (Aço e osso, Cordas de amarrar o tempo, Tipos de rua e alguns recados, Fragmentos de Eliot) escreve como quem conhece todos os segredos do tempo: tece colchas intermináveis de beleza em silêncio. Parece e é mesmo inalcançável: flutua entre os versos que sinceramente oferece a todos nós.

TIPOS DE RUA VI

O velho lavrador está sentado
pouco à vontade
na sua roupa de ver Deus.
Espera um ônibus,
descansa as mãos calosas
no cabo da bengala, outrora curvo,
agora uma reta a se quebrar.

Várias gerações lixaram a bengala.

Maria Dolores Wanderley (Rumores de azul, Mar espesso e A duna intacta) nasceu no mar e faz dele o seu corpo poético. Escreve conchas, sargaços e todo mundo pensa que é verso. Faz poesia como quem brevemente respira porque sabe que nada mais precisa para viver. Sou apaixonado por seu poema “Desencanto”:

As vinhas brilhavam tépidas ao porvir

O que esperava Conceição?
uma filha, um livro
um par de olhos azuis
a Terra do Nunca?

Ondas ressacas maresia
barcos distantes
brisa leve leve sobre o sal
espuma

O mar, o mar
acompanha Conceição
                    (em A duna intacta)

Helena Ortiz (Pedaço de mim, Margaridas, Azul e sem sapatos, Em par e Sol sobre o dilúvio) viaja entre tantas paragens poéticas que fica difícil escolher uma estação para se chegar ou partir. Sua poesia traz as quatro estações ao mesmo tempo que evoca os quatro cantos da terra por mais justiça. Sempre me sinto mais brasileiro ao ler seus poemas.


dilúvio

as águas cobrem as ruas
arrastando tudo

do outro lado junto ao muro
minha mãe. só os olhos
pedem que a recolha

tenho força de mil cavalos
e aquela flor
contra a corrente

tomo minha mãe nos braços
ela se encolhe
aqueço-a em meu colo
e devolvo-lhe o leite
                   (em Sol sobre o dilúvio)

Iracema Macedo (Lance de dardos, Invenção de Eurídice) descobre diamantes no barro cotidiano e recria homens e mulheres mais felizes com sua poesia perfumada. Sofisticadamente simples, é dona de versos profundos que, por sorte de quem os lê, por vezes vêm à tona do mar.

A EQUILIBRISTA

Quedas riscos matéria
tudo um jeito de iludir

A um perfume de incêndio
vou entregando meu corpo
deixando para trás edifícios
despenhadeiros
torres fragas
e todas as ameaças de cair
                  (em Invenção de Eurídice)

É com poetas desse naipe que, hoje, discuto a minha produção poética. Um privilégio, não?

2007