LEMBRADOS

Nenhuma mudança que valha ser registrada. Mercúrio, o regente de meu signo solar, me afoga de novas notícias que ignoro. Há, sim, a tua forte primavera permanecente, acumulando ventos que chegam, adubando uma espécie de passado sem volta e contínuo. Tudo parece se manter inerte às novidades de tempestade ou reconstrução: meu olho abstém-se de te saber, hoje, no mais longe, onde nunca mais alcançarei. Alguma coisa parece eterna, como doença de sangue, orgulho ensinado por pai, amor perfeito de canção, resignação de não matar mesmo sendo morto. Sempre volto do lugar que nunca saí: é assim. Como o vôo mecânico, a bordo de uma roda gigante, quando se chega ao topo e se fala com Deus, para em seguida tornar ao poço, descanso não desejado de pés aflitos por passos no ar.

Já que nada mais sabes, pelo menos nada mais envelheças na distância. Faz do tempo uma surpresa para meus olhos que, sem sentires, te seguem. Faço de conta que desconheço a direção dos fatos e nossa já inconsistência. É preciso cultivar a memória e essa é a suficiente esperança. Haverá senso, enquanto tu. Sofisticado vazio de breus e luzes que se tocam, loucura em mistério. E a insana qualidade de um amor que me atravessa os tempos, já ocos de instantes que morreram sem avisar.

As confissões secaram. Meu bravo e detestável silêncio. Tua mão sedenta das terras alheias do mundo. E um eco, erosado, quase inaudível, feito de consoantes sem sentido: tua voz grudada no meu peito, entre gestos e cenas de ciúme guardadas, algum sussurro te diz. Isso, ouve.

 

1992