QUANDO OLGA E CLARICE FORAM À MINHA CASA

Não me lembro bem se foi em junho ou julho, pode mesmo ter sido em agosto de 1999. Eu deveria lembrar, porque foi um dos encontros mais importantes da minha vida. Mas não me lembro. Paciência.

Era um domingo desses de nada fazer, de nada acontecendo e eu estava em casa assistindo à TV (ou ouvindo Bethânia?). Eu havia acabado de lançar o livro O diário do trapezista cego e estava em paz. De repente, o telefone toca e era o meu amigo Samuel Santana, bailarino e dono de um dos espaços culturais mais importantes da minha trajetória poética, o Lugar Comum, na rua Álvaro Ramos em Botafogo (RJ), onde lancei vários livros e fiz vários recitais.

Mas voltando ao telefonema: “Jacinto, estou com duas amigas aqui que acabaram de ler o seu livro e queriam muito te conhecer”. Samuel morava perto de mim: “Se vocês quiserem dar um pulo aqui em casa, ficarei bem contente”, disse a ele.

Meia hora depois, lá estavam na minha porta, Samuel e as duas amigas. “Esta aqui é Gilda, bailarina e minha ex-esposa. E esta aqui é Olga, escritora, talvez você conheça.” Olga? Pensei: “Não é a Olga Savary, famosa poeta que eu conhecia. A outra Olga que já li é a Borelli, amiga íntima da...”.

 “Muito prazer, Olga Borelli”. Não, não podia ser. Não consegui sequer responder ao cumprimento direito. Apenas disse: “Eu tenho um livro seu”.

Realmente parecia inacreditável. Uma das melhores amigas de Clarice Lispector – minha escritora preferida -, autora do livro Clarice Lispector – esboço para um possível retrato, estava na minha casa.

Vendo que eu estava totalmente sem graça – deveria estar com o rosto todo avermelhado -, Samuel introduziu novo rumo para a prosa: “As duas gostaram muito do seu livro, como te falei pelo telefone”. “Ah, sim, muito obrigado”.

Gilda falou que havia chorado ao ler a dedicatória do livro, uma homenagem a meu pai, que naquele ano, se vivo, estaria fazendo 70 anos. Disse que era algo muito comovente e fiquei emocionado com a delicadeza dela. Olga ratificou, mas preferiu falar do livro como um todo. Afirmou ter gostado de vários poemas e da minha maneira de escrever.

Sentamos os quatro à mesa da sala e, enquanto Olga falava, eu conseguia quase ver e tocar a imagem de Clarice, como que à cabeceira ouvindo a conversa dos três e o meu silêncio. De repente, interrompi Olga: “Desculpe, mas o seu livro está ali na estante me olhando, pedindo para conseguir o seu autógrafo”. Ela respondeu: “Mas o autógrafo quem tem que dar aqui é você”. Rimos um pouco e enquanto ela autografava o meu livro, confessou ter ficado sem nenhum exemplar. Egoísta, não lhe ofereci o meu – mas como poderia? Era a minha preciosidade.

E ficamos ali, nós cinco conversando e silenciando algumas boas horas. Ao final, Olga me convidou para ir a São Paulo, onde ela e Gilda moravam, para fazer um recital. “Mas eu nunca falei meus poemas. Acho que não conseguiria”. Mas Olga me convenceu, dizendo que era um espaço de dança, chamado Em Cena, e que ela gostaria muito de me receber lá. Não tive como negar. “OK, como você quiser”.

E assim comecei a fazer e a participar de recitais – exercício que cada vez mais me encanta. Pelas mãos de Olga Borelli, madrinha melhor não poderia haver. Mas recital já é uma outra história que conto outra hora. Vale aqui dizer da emoção imensa de conhecer aquela mulher, grande escritora e amiga íntima de um dos meus poucos ídolos. Obrigado, Samuel, por esse encontro inesquecível.

Sim, me lembrei: era junho.

2007