OS MISTÉRIOS DA GLÓRIA

Hoje me dou conta dos encontros.

O másculo Aterro do Flamengo
sob os pés da tão feminina Igreja da Glória
hospital e refúgio de solitários e alijados.
A tudo vejo e abençôo em destinos.

A Glória tem nome de santa
luz que emana da própria palavra que é.

Ando vagaroso sobre suas calçadas
Cato milagres perdidos
eu que não morro sem um merecer.

A Glória tem a pele sépia
fotografia gasta que se guarda sem dores.

Suas ruas são grandes
farto o ar que circunda os rostos.
Fartura de nome expansão:
eis o que a Glória traduz.

Somos diários
eu, a Glória e seu estranho silêncio.
No meio de todos os automóveis
corre uma invisível e muda bailarina
a quem há séculos acompanho sem conhecer.

A Glória é um pasto de almas
onde se reúnem ex-amantes das chácaras cariocas
e benfeitores sociais já mortos.
Jogam gamão, bebem vinho (tinto)
orgulhosos relembram amores e ajudas.
A Glória cede seus bancos de praça e recostos
à história dos homens de bem.

Seu tempo é mais curto
pressa somente de impedir
que o sol se ponha em outra freguesia.
A Glória é moça vaidosa de elogios.

É um vale imposto por Deus:
escudo contra o duro centro de uma cidade.
Também uma hospedaria:
repouso nas esquinas para os trabalhadores.

A Glória aplaude a ventania lenta
que se faz carruagem e romance.

Tenha eu 80 anos agora
para sentir o que já entendo.
A Glória é a alegria do envelhecimento.

1992