Rio de Janeiro, 1996
80 páginas, 100 poemas + encarte
Programação visual: Heliana Soneghet Pacheco
Coordenação editorial: Cecilia Leal
Editoração eletrônica: Hares
Quadro: naquim de Margareth Mattos, a partir de fotografia tirada por Márcia Guarischi
Reprodução do quadro: Jackeline Nigri
Gráfica: Reproarte
Em 1979, escrevi o primeiro de uma série interminável (hoje, já são mais de 4 mil) de pequenos textos que chamei de Pedaços. Estão presentes desde o meu primeiro livro e creio serem uma marca registrada minha. Pensamentos, pequenos poemas, charadas, pequenas lembranças, disparos, pequenas revelações.
Por isso, nada mais natural que surgir a idéia de fazer um livro só de Pedaços. Para montar o livro, reli todos os meus cadernos e fui escolhendo os que pareciam mais significativos, não em termos de beleza, mas que passassem o sentimento de síntese e esplendor. Pedaços: o parasempre da hora nasceu sem um fio condutor, queria que fossem poemas independentes, que falassem por si ao que vim. Mas não foi assim que aconteceu.
No meio do processo de montagem, senti a necessidade de, mais uma vez, perceber os poemas de mãos dadas, contando uma história. Um novo roteiro. Lembrei de "Pedaços mil", que marcava o milésimo registro da série. Ao contrário dos demais, um texto longuíssimo, pesado, mas com alguma esperança. Era esse o caminho. Passei a escolher poemas que falassem de amor – que fosse doído, mas que resultasse em flor -, de Deus – que fosse desolação, mas que me desse colo -, de poesia – que fosse cotidiana, mas que se fizesse mágica. Decidi, aleatoriamente, que seriam 100 Pedaços.
Acho que escolhi, já nessa triagem, uns 300. Antes de chegar à seleção final, outra revelação: os Pedaços eram fotogramas; o livro, um filme. Talvez isso não fique visível, principalmente porque não sei dizer filme-de-quê se trata. Se tivesse que arriscar, diria que é um filme de quem ama de janelas abertas e abençoa a cidade e seus habitantes destemidos. Quem reparar com cuidado, verá que os poemas se tocam, como numa montagem cinematográfica.
Voltará
no dia em que descobrir
ser incorreto voltar.
Meia volta
(o barulho na porta)
Vou ver
(é apenas o ladrão).
Por que “O parasempre da hora”? Porque cada Pedaços escrito é uma tentativa de eternizar a poesia em mim, de nunca deixá-la partir. Sua brevidade, nossa permanência. O primeiro Pedaços resume bem a intenção do livro e da minha vida:
textos me cansam.
Escrever deve ter mesmo
a breve eternidade de uma respiração.
foi um dos livros mais difíceis de explicar à designer Heliana Soneghet Pacheco. Inicialmente, falei que eram poemas totalmente independentes, desconectados um do outro. Depois, descobri que se tratava de um filme sem nome, aberto a sugestões de quem o lesse. Ela, como sempre, foi brilhante: ofereceu um espelho aos leitores, com a capa sem título, em papel prateado. Um luxo que só Heliana poderia pensar.
Outra coisa interessante foi a necessidade de guardar aqueles poemas que, inicialmente, se queriam independentes; depois, reunidos numa imensa colcha de retalhos. Sem problemas: Heliana achou que o livro deveria estar dentro de um saco, como algo a ser descoberto. Era o nosso tesouro. E para marcar bem essa idéia, ainda colou restos de broche no verso do saco. Nossa garrafa em alto-mar numa cena de super-8 inesquecivelmente de amor.
O lançamento aconteceu na Livraria do Museu da República, no Catete (RJ), no dia 26 de novembro de 1996. Como um presente, a fotógrafa e amiga Jackeline Nigri remontou no pátio do museu sua exposição “Em cena”, com fotos maravilhosas de várias peças teatrais.
Longos textos me cansam.
Escrever deve ter mesmo
a breve eternidade de uma respiração.
Todo mundo na rua se protegia.
Mas eu queria a chuva
Mas eu queria a chuva
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
“ “ “ “ “ “ “
que te fazia querer proteção.
Não demos as mãos.
Se os dedos se entrelaçassem
nunca mais amanheceria.
Tesouras enferrujadas
rasgam os tecidos do céu.
Chovem adiante
tão próximas a mim
todas as saudades partidas.
Deus inventou a felicidade
para eu ter com o que me atrapalhar.
Não mais tecerei compromisso
nem mesmo com o que há de melhor.
Me permitirei uma liberdade estranha e vulgar
exercício de um tanto da dor
acrobacia de um esforço sem tamanho.
Terei trabalho.
É que em meio a toda pressa
não sei esquecer o bilhete de metrô em casa.
No sonho, me dizia:
“Não me culpe por estar vazio de você”.
Eu não culpo.
É a poesia que lamenta.
Não me venha com desculpas.
Apenas venha.
Todo encontro é sempre
um jogo de grandes riscos.
De olhos tão abertos mergulhei
para ver o mar que não se vê.
Eu vi.
Em algum distante porto
guarde o bom senso
para se perder em mim.
amor não basta que um esteja cego.