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Poemas-Simples

Ficha Técnica

Rio de Janeiro, 2007

94 páginas, 98 poemas

Programação visual: Heliana Soneghet Pacheco

Editoração eletrônica: Paula Monteiro

Revisão: Marcelo Secron Bessa

Foto: Fernando Garcia

Gráfica: Reproarte

Comentários do poeta

POEMAS SIMPLES: VERSOS DE BARRO E FLOR

O livro nasceu de uma tentativa minha de dar uma resposta à pessoa amada que me disse um dia: “Acho que poesia tinha que ser algo simples, que a gente entendesse de cara”. Pensei: tenho um enorme desafio pela frente: fazê-lo entender o que tão sinceramente escrevo para ele. Desse dia então – por volta de 2004 -, passei a escrever uma série de poesias de amor chamada "Poemas simples", um exercício difícil mas tentador.

Da série à necessidade imediata de publicar o livro foi um pulo. A questão é que eu já estava montando o Poemas caseiros e não teria como editar dois livros ao mesmo tempo. Tinha sim. Havia o tema central em comum – o amor – e acabaram acontecendo paralelamente. Quem colaborou muito para isso foi o personagem de um conto meu, chamado Rober Yanoven, que a toda hora surgia na minha cabeça, como dizendo em silêncio: “Tenha calma, siga em frente, é possível sim”. O conto fala de um amor muito profundo e o utilizei como referência para a formatação final do livro.

Construção e delicadeza

Poemas simples tem o subtítulo de Versos de barro e flor, e os poemas brincam um pouco com essas duas idéias, da construção e da delicadeza. O amor como barro, o amor como flor, o amor como a possibilidade de ser um verso que basta e de ser um acontecimento feliz. Na verdade, Poemas simples me remete muito ao meu primeiro livro, Entre dois invernos, pelo cheiro de verão e pelo espírito de juventude e frescor.

O poema inicial “Lascívia”, que de tão intenso e urgente foi publicado antes da página de rosto, é a síntese do livro.

Quem ele pensa que é?

Redentor de mágoas

Feitor de milagres

Criador de destinos?

Será que se acha Deus para me reinventar humano

encharcar minha pele de febres

abençoar meu gozo com estrelas

e me fazer perder o chão e o bom senso ao reconhecê-lo Deus?

O que quer este Deus de barro

em seu andor de luzes frescas

procissão secreta pelas ruas da cidade

a levar meus olhos para o porão do mais profundo desejo?

Vai ver é Deus ao avesso

que nem se preocupa em cuidar desta alma

a pressentir cheiros devastadores

a confessar crimes não cometidos

a correr perigos desnecessários

alma que é capaz de mentir por um gemido banal.

Não, não pode ser o Deus

que mora nas bíblias torás corões evangelhos,

nos rituais sacrifícios salmos presságios

não o Deus que aprendi a amar e a temer sobre todas as coisas.

Não, possui pêlos e instintos selvagens

sorri como uma tarde quente da adolescência

é meio leopardo meio potro

índio demais para ser o todo poderoso.

É Deus nada, mas tudo pode

sorvete no frio missa sem altar carnaval em abril

até inibir velhinhas com carinhos obscenos em mim.

É Deus sim, se fosse apenas um homem

não lembraria tantos atalhos em meu corpo

ao menos esqueceria datas

nem se importaria em meu prazer ser sempre sagrado.

E o que fazer com este Deus de flor

tesa aberta primaveril rosa cravo peninsular

a me invadir de breves mares a cada beijo?

Pelo sim, pelo não, Deus

balbuciado na oração do santo do dia

para que Deus o conserve Deus

nestas intermináveis horas de lascívia.

O leitor mais atento perceberá que o livro se divide em três fases: a do encanto, a de um breve padecer, e a de uma eterna encantação. Talvez seja o meu livro mais livre, o que me permitiu ser leve sem deixar de ser profundo, eu acho. Logo após a abertura, o poema “Auto-retrato” confirma o que o leitor leu antes da folha de rosto, como uma confirmação: “É isso mesmo. Topa continuar a viagem?”

Eu te amo

é o grito de maior coragem para um amante.

Entre tantos amores do mundo

o meu verso.

Depois de montado, percebi que Poemas simples tinha outra similaridade com Poemas caseiros, além de ser um livro de amor: a figura de um santo, aqui São Sebastião, que surge no início e quase ao final do livro como uma resposta à pergunta inicial do poema “Lascívia”: Quem ele pensa que é? (...) Será que se acha Deus para me reinventar humano?(...). Ele é São Sebastião, cuja beleza e vigor são o fio condutor de todo o livro. Um poema que me interessa muito é o que fecha o livro, “Sempre”, pela sua simplicidade e coragem.

Achei que levaria muitos anos (não muitos)

para alcançar o mistério que avizinha cravos e arranha-céus

e ter a sabedoria que faz do erro uma tentativa.

Achei que tropeçaria em muitas palavras (muitas mesmo)

até chegar à frase mais que perfeita

em sentido loucura forma e precisão.

Achei que usaria muitas máscaras (talvez não muitas)

para conhecer a fundo o papel de amante

e suas promessas, mais que verdadeiras, irrecusáveis.

Achei muitas coisas (talvez muitas)

mas jamais imaginei que pudesse nascer tão cedo

a glória e o risco profundos de dizer eu te amo.

Eu te amo ontem porque sempre te amei

Eu te amo hoje porque sempre te amo

Eu te amo amanhã porque sempre te amarei.

Estrutura gráfica e lançamento

A designer do livro, minha fiel parceira Heliana Soneghet Pacheco, tinha um enorme desafio: contar visualmente a simplicidade dos versos. Fizemos várias viagens, inclusive tentando utilizar diversas imagens de São Sebastião na capa e no miolo. Mas o segredo estava mesmo no subtítulo Versos de barro e flor. Para a capa, ela acabou optando por um verde muito vivo, “como a paixão”, com os títulos em marrom em função do barro. Ao fundo, flores rebaixadas. Para o miolo, a surpresa fica por conta dos papéis de presente, cujo tema são flores, para demarcar os três momentos do livro. Só mesmo uma designer do porte da Heliana seria capaz de bolar algo tão simples e ao mesmo tempo tão elegante e comovente.

Poemas simples é uma edição conjunta com Poemas caseiros e ambos estão protegidos por uma caixa de madeira (o porquê da caixa de madeira pode ser conhecido nos meus comentários sobre o outro livro).

O lançamento de Poemas caseiros / Poemas simples acontecerá no dia 2 de outubro de 2007, no Unibanco Artplex Livraria, em Botafogo (RJ). Na noite, acontecerá a leitura de poemas por pessoas diretamente ligadas à minha poesia e ao meu coração.

LASCÍVIA

Quem ele pensa que é?

Redentor de mágoas

Feitor de milagres

Criador de destinos?

Será que se acha Deus para me reinventar humano

encharcar minha pele de febres

abençoar meu gozo com estrelas

e me fazer perder o chão e o bom senso ao reconhecê-lo Deus?

O que quer este Deus de barro

em seu andor de luzes frescas

procissão secreta pelas ruas da cidade

a levar meus olhos para o porão do mais profundo desejo?

Vai ver é Deus ao avesso

que nem se preocupa em cuidar desta alma

a pressentir cheiros devastadores

a confessar crimes não cometidos

a correr perigos desnecessários

alma que é capaz de mentir por um gemido banal.

Não, não pode ser o Deus

que mora nas bíblias torás corões evangelhos,

nos rituais sacrifícios salmos presságios

não o Deus que aprendi a amar e a temer sobre todas as coisas.

Não, possui pêlos e instintos selvagens

sorri como uma tarde quente da adolescência

é meio leopardo meio potro

índio demais para ser o todo poderoso.

É Deus nada, mas tudo pode

sorvete no frio missa sem altar carnaval em abril

até inibir velhinhas com carinhos obscenos em mim.

É Deus sim, se fosse apenas um homem

não lembraria tantos atalhos em meu corpo

ao menos esqueceria datas

nem se importaria em meu prazer ser sempre sagrado.

E o que fazer com este Deus de flor

tesa aberta primaveril rosa cravo peninsular

a me invadir de breves mares a cada beijo?

Pelo sim, pelo não, Deus

balbuciado na oração do santo do dia

para que Deus o conserve Deus

nestas intermináveis horas de lascívia.

AUTO-RETRATO

Eu te amo

é o grito de maior coragem para um amante.

Entre tantos amores do mundo

o meu verso

.

ORATÓRIO

A mesma sensualidade cristã

O mesmo corpo reverenciado por fiéis e ateus

A mesma pele suavemente colorida de branco

É verdade que não tem flechas

nem provoca pedidos de cura e graça

Também não carrega milagres sob o curto manto

ou pode atender às promessas e novenas dedicadas.

Mas o homem que hoje comunga comigo

reencarnado por tanta beleza

é São Sebastião

a quem nunca rezei

a quem sempre quis

a quem finalmente me dou

de corpo, alma e poesia.

ORAÇÃO DE BARRO E FLOR

lua, esplendor, lua, delumbramento

lua, trovador, lua, merecimento

lua que um dia nasceu flor

>Não amo, eu rezo o seu corpo

em ervas ancestrais colhidas na ânima do mato

tempo macerado pelo desejo.

Afasto-lhe as mazelas

Aproximo-me de seus atributos

cheiros da província natal

de homens apaixonados por suas pátrias.

Benzo-lhe as chagas

Beijo-me para reter seu beijo em mim

incenso que chuva alguma é capaz de apagar.

Todos os rituais num só ritual

derramam-se sobre sua pele, rio, pedreira, curso

oferenda a quem o milagre é quase

lei das divindades que preferem a terra.

Seu corpo, amado, é a lição do vento

que brisa uma hora, depois duas, três

até a manhã render-se à madrugada

aldeia noturna, silêncio na trilha pisada.

Agradeço-lhe as benfeitorias a meu prazer

Penitencio-me ao zelo, árvore que não pode dormir

espantalho a contar estrelas na praça

interior procissão de bichos, folhas, madrigais.

Seleta bênção a meus olhos culpados

pela benesse e graça do maior amor consentido

profecia da margem que se dá às águas

correnteza pura, sedenta, merecedora de novo amanhecer.

Descansa, corpo amado, enquanto teço esta oração de barro.

GENEROSIDADE

Nas horas vagas de não te amar

as crianças viram sisudos adultos

as flores, tímidas, se escondem nos caules

o sinal se distrai no vermelho

a mãe esquece o ferro na roupa da filha

o relógio capenga uma hora

os quadros, tristes de dar dó, não querem ser vistos

o porteiro não responde ao bom-dia

a calçada afunda os pés

a ferida mantém-se dor

a nuvem não passa e chove a mesma lamentação

o sol perde o bonde de vir

Pelo bem-estar do mundo

não pelo meu

sou todo o tempo de te amar.

A DOR, EM PRETO E BRANCO

Ando pelas ruas de Paris

como se lá estivesse.

Carrego uma tristeza tão grande

que nem posso me dizer triste.

Mãos no passado, olhos ao vento

atravesso as pontes de Paris

como se fossem séculos.

Lembro o nome escolhido

e sua cabeleira de rosas castanhas.

Choro um passo à esquerda

como se o acaso me reconduzisse ao amor.

Apresso, paro, tropeço

aposento a dor num banco de praça de Paris

como se possível descansar.

Rabisco versos no chão

e, passageiros, nem reparo que já é lua.

O casaco abraça meu corpo

como se meu irmão me consolasse.

Luto ao peito

até encontrar pelas esquinas

letras recortadas do nome escolhido

e pétalas de sua cabeleira de rosas castanhas.

Vôo baixo pela noite de Paris

como se ainda acreditasse na alegria.

TEMPESTADE

Na beira da praia

velo o corpo de dois marinheiros.

Tanto se amaram

mas tiveram que abandonar as almas

no barco que se partiu.

Nunca pensei ser tão triste morrer.

MADRUGADA

Meu trôpego amor

retira as botas de lama azul.

Por que céu terá andado, meu deus?

DEMAIS

Fui longe demais

lá onde o amor não sabe que mora

onde a poesia não sabe que é verso.

Amei o amor dos inconscientes

rinoceronte a nadar entre alamandas

e a se sentir o mais belo e doce.

Fui fundo demais

lá onde o coração não sabe que reina

onde o prazer não sabe que basta.

Amei o amor dos valentes

jogador a perder fortunas

e a recuperar a sorte no próximo beijo.

Fui claro demais

lá onde a manhã não sabe que nasce

onde o sorriso não sabe que ilumina

Amei o amor dos inconseqüentes

santo a derrubar veleiros

e a provar as dúvidas da correnteza.

Fui louco demais

lá onde a paixão não sabe que vence

onde o perigo não sabe que voa.

Amei o amor dos inocentes

menino a pedir trocados

e a comprar rosas para acalmar o peito.

Fui sincero demais

Amei o amor dos que apenas nã/p>o sabem.

SEMPRE

Achei que levaria muitos anos (não muitos)

para alcançar o mistério que avizinha cravos e arranha-céus

e ter a sabedoria que faz do erro uma tentativa.

Achei que tropeçaria em muitas palavras (muitas mesmo)

até chegar à frase mais que perfeita

em sentido loucura forma e precisão.

Achei que usaria muitas máscaras (talvez não muitas)

para conhecer a fundo o papel de amante

e suas promessas, mais que verdadeiras, irrecusáveis.

Achei muitas coisas (talvez muitas)

mas jamais imaginei que pudesse nascer tão cedo

a glória e o risco profundos de dizer eu te amo.

Eu te amo ontem porque sempre te amei

Eu te amo hoje porque sempre te amo

Eu te amo amanhã porque sempre te amarei.

SEMPRE

Achei que levaria muitos anos, não muitos

para alcançar o mistério que avizinha

cravos e arranha-céus

para ter a grande sabedoria

que faz do erro uma tentativa.

Achei que tropeçaria em muitas palavras, muitas mesmo

até chegar à frase mais que perfeita

em sentido, forma, loucura e precisão.

Achei que usaria muitas máscaras, talvez não muitas

para conhecer a fundo o papel de amante

e suas promessas, mais que verdadeiras, irrecusáveis.

Achei muitas coisas, talvez muitas

mas nunca imaginei pudessem nascer tão cedo

a glória e o risco profundos de dizer eu te amo.

Eu te amo ontem porque sempre te amei

Eu te amo hoje porque sempre te amo

Eu te amo amanhã porque sempre te amarei.