Comentários do poeta

O DERRAME DAS PEDRAS: O POETA, SEU ITINERÁRIO, SUAS SENHAS

A idéia do livro nasceu pronta: um poeta que, para não deixar que seu amor seja esquecido, espalha sete senhas em forma de poesias pelos postes da cidade. O derrame das pedras é o registro literal – e literário – de uma história de amor profunda.

As sete senhas não funcionam como sete capítulos, apenas como marcações, momentos em que o poeta sai às ruas para fazer a sua peregrinação. É o livro que mais gosto, porque acho que consegui concretizar plenamente o roteiro que pensei.

Além dos poemas de amor, o livro reforça personagens e temas dos livros anteriores, como Deus, Rio de Janeiro, a arte de uma maneira geral. São textos curtos, cheios de significados ocultos, de sutilezas.

Uma cena inesquecível

O título é fruto de uma cena que vi na infância. No sítio de minha avó em Araras, Petrópolis (RJ), da montanha que ficava em frente à sala, num dia de chuva, no início dos anos 70, uma cachoeira de pedras, num barulho ensurdecedor, nos fez todos sair do casarão e, abismados, olhar aquele espetáculo de força, pavor, beleza. Foi tudo tão rápido e inesquecível.

Essa imagem voltou com muita força e exatidão à minha cabeça quando tentei definir para mim mesmo o que era amar perdidamente alguém estando diariamente apaixonado. Eu lembrei do maravilhoso espetáculo das imensas pedras rolando, fazendo um barulho ensurdecedor, só que caindo num mar acolhedor e não na terra, como realmente aconteceu. Então, O derrame das pedras é isso: a paixão alucinada dentro do amor alucinado. O livro, em segredo, é um extenso bilhete a um amor desaparecido, que, ao lê-lo sem querer, deu sinais de vida.

Um poema marcante para mim é o de abertura "O tratado dos mágicos", que, no final, diz

(...) Versos
para que em dias de saudade mortal
roubá-los seja a única e inevitável saída .

Estrutura gráfica e lançamento

A imagem que sempre surgia em mim era a de uma colagem, como que retratando o movimento das pedras rolando. Falei isso com com a designer Heliana Soneghet Pacheco e ela pediu para eu selecionar as fotos, os desenhos, os manuscritos, os documentos que, de uma maneira ou de outra, estavam relacionados ao livro. Ampliei um pouco a idéia e separei imagens relacionadas à minha vida. Adoro a capa e principalmente a forma como os títulos dos poemas foram diagramados. É o livro com o qual eu gostaria de ser lembrado.

O lançamento aconteceu na sede do Instituto de Estudos da Religião (Iser), no Rio de Janeiro, onde eu trabalhava, no dia 4 de maio de 1994. Para comemorar mais um livro, ofereci aos convidados uma festa matinê, com muita música, dança e alegria. Só faltou a designer Silvana César Vargas, minha amiga que falecera há seis meses. Faltou não: estava literalmente no meu peito, no colete que mandei fazer com o pano do vestido de trapézio, preto e amarelo, que ela tanto gostava de usar.