Jogos Urbanos

Este livro do Jacinto tinha algo diferente dos outros, porque contava histórias e era cheio de situações particulares que mereciam uma atenção especial para cada uma. Era um livro de poesias e histórias poéticas com personagens. Falava de viagem, de lugares fora e dentro da cidade. Sempre achei que este livro daria um bom filme e com a trilha sonora do Paulo Corrêa.

Quando ele me procurou, Jacinto já tinha o livro pronto e buscava fechá-lo com o conceito da capa. Foi quando ele viu na Tijuca, num final de tarde, a lua e os edifícios num desenho que o impressionou. Não sei se estava chovendo, mas a chuva era outro elemento que fazia parte dessa sua imagem.

Fazendo a capa
O processo da capa teve um caminho bem definido. Após ver o que o Jacinto queria, comecei a rabiscar o que seria o óbvio do que eu tinha ouvido dele. Edifícios em rabiscos mostrando com a lua foi minha primeira idéia, mas não tinha a chuva. Jacinto então fez um esboço para mim, com duas idéias. Ali já se via a idéia de linha para os edifícios e a lua. Ele também fez vários esboços com a lua e a chuva porque pensamos que a chuva poderiam ser pequenos triângulos coloridos caindo do céu. Já pensávamos em papéis coloridos e então comecei a fazer bonecas para vizualizar como essa capa e a quarta capa (que é também conhecida por contracapa) ficariam. Mais tarde, essa chuva ficou sendo sete triângulos representando os sete capítulos do livro. O Jacinto achava que isso tinha sido coincidência, mas eu devo ter planejado. Eu sempre faço escolhas que fazem algum sentido. Então comecei a pensar na fonte do título e sua posição na página. Foi aí que vimos como a quarta capa ajudava a criar o cenário do livro e vi que capa e contracapa abraçaram o livro. Logo ficou claro para nós que os edifícios seriam marcados por linha e que a lua, uma imagem forte para o poeta, deveria ter o seu destaque (foto 1).

  

A linha
Definido isso, pensei: como seria a “linha” do Jacinto? Linhas existem aos milhões por aí, mas qual seria a linha, o traço, que o melhor representasse? Foi aí que me lembrei de que, além de poeta, Jacinto desenha expressivos rostos e tinha uma seqüência desses desenhos feitos na época, com hidrocor preto, daqueles grossos. Vi, então, a linha que usaríamos no desenho do cabelo de um desses rostos. Fiz vários testes com hidrocor, mas a linha precisava ser mais expressiva que aquilo que o hidrocor poderia proporcionar e então fui para o pincel. Ali só precisei achar o desenho perfeito que corresse ao longo da grande capa. A lua, no estilo da linha, virou um borrão acima dos não-mais-tão-evidentes edifícios (foto 2).

  

Mas nos rabiscos que fizemos, vimos que a lua aparecendo na quarta capa equilibrava todo o desenho, além de precisar ficar pontuando ali para realmente ter uma grande capa que “abraçasse” o livro. A quarta-capa ficou sendo um desafio porque ela precisava ter sua força – senão, a sensação era que o livro “caíria”. O resultado foi que a definição do tipo de traço da linha fez com que o desenho da lua na frente da capa ficasse com o mesmo tipo de tratamento, resultando num borrão como uma lua disforme. Por sua vez, a definição da chuva de triângulos coloridos fez com que a lua de trás também ficasse com o mesmo tratamento dos triângulos, pois ela virou um grande triângulo roxo! Esses triângulos ficavam numa capa cinza. Esse cinza foi escolhido porque a cor valorizava cada papelzinho colorido (foto 3).

 

  

Mas havia ainda outro dado importante ainda relacionado à capa, que se tornou um desafio:

A quarta capa
Jacinto vê o livro como um diretor de cinema. Agora tem isso, agora tem aquilo, isso é assim, isso é assado. O livro pronto na cabeça dele tem um roteiro que nem sempre vem com a solução, mas definitivamente, com a demanda. O caso aqui era que ele, o autor, não poderia estar dentro do livro. O livro era dos personagens dele, ou ele em outros tempos. Não ele naquele momento. E o livro tinha aquela tal parte que fala do autor com foto e tudo. Onde colocar isso? Foi aí que bolei colocar do lado de fora, mas protegido, porque era importante proteger o poeta. Resultado: deixei a lua de trás fazendo companhia a ele (estava na mesma página ao seu lado) e a linha dos edifícios ficou numa página a mais que cobria a foto do poeta e o seu texto (mas não cobrindo a lua). No fim, acho que fiz algo como quarta e quinta capas, se é que isso existe! (foto 4)

  

O mapa
Outra demanda legal foi trabalhar a idéia de viagem no livro. Jacinto via um mapa. Mas que mapa??? Minha pesquisa foi ver os tipos de mapas que têm por aí e ver qual se adequaria para a linguagem do livro (foto 5).

  

E achei um tipo interessante feito, numa malha quadriculada. Fiz exercícios com essa malha e fui definindo com o Jacinto os capítulos e os poemas significativos de cada um, como regiões e capitais. O traço usado na capa foi o mesmo que definia as regiões, e linhas pontilhadas marcavam caminhos, movimentos de viagem. Uma mancha pontilhada também marcava partes do mapa em pequenas regiões. Quadradinhos seriam marcas de cidades, e por aí a fora. O resultado foi um mapa numa malha quadriculada onde cada quadrado representava um capítulo. Esses, separadamente, foram repetidos no início de cada segmento do livro, com o nome de cada capítulo ao lado (foto 6).

  

A música do Paulo
Outra demanda do livro era que a música “Sinais Urbanos”, do seu irmão, deveria estar em destaque em algum lugar no livro. Pensei primeiro na segunda capa (verso da capa), mas a música deveria estar dentro do livro e não nas beiradas. Então pensamos em ter meio que dois começos. Já que tinham dois finais, por que não dois começos? Seria assim: abriria-se o livro, veria-se a folha de rosto, depois a dedicatória, agradecimentos e aí viria a música do Paulo, um trecho da música, aliás. Mas antes de decidir isso, fiz vários estudos de seqüência com textos simulados (foto 7).

 

  

Após a música é que viria a falsa folha de rosto, onde se daria início à “viagem” que são os poemas do livro. A idéia de ter o mapa por detrás dessa página que só tinha o nome do livro era para que a transparência natural da página mostrasse o mapa. E ficou bem legal isso.

A tipografia da poesia
As poesias foram compostas em Garamond e os títulos numa fonte que não me lembro qual agora, mas era sem serifa. Fiz estudos para definir tipo, tamanho e se seria versal versalete ou somente capitular. Os títulos dos poemas, da capa e toda a música do Paulo, usavam a mesma fonte. A composição do texto respeitava a diagramação do poeta, que, ao escrever, já definia os recuos e todos os espaços em branco. Também mantive todas as linhas poéticas na mesma linha tipográfica, deixando que cada linha tivesse o seu espaço e não se metesse na linha debaixo, atrapalhando o ritmo da leitura (foto 7).
 

 

A revisão final foi feita pelo Jacinto. Ele lia em voz alta cada página para mim. Foi quando ouvi cada poesia e pude fazer a viagem do livro ao som da voz do poeta. Foi muito bom!

O toque final
O livro pronto da gráfica veio com todas as marcações de onde colocaríamos os papéis coloridos da chuva, da lua e de uma pequena divisão que achamos importante entre o título e o nome do poeta na capa. Cada capítulo era representado por uma cor e essa cor não era qualquer uma. O tom deveria ser o tom que o capítulo pedisse. O resultado é que cada papel foi de um tipo diferente porque não se tem a cor que você quer em todos os tipos de papéis. Tinha cartolina, papel laminado, jornal (nesse caso, papel em si que era importante - por causa do tema a que ele se referia: Literatura - e não a cor) e papel de seda, o mais difícil de colar. Dentro dos capítulos, marcamos também poesias importantes, uma em cada parte, com as mesmas cores já usadas mais outras, como laranja e amarelo, que não estavam na capa, mas que a poesia delas pedia. Foi uma loucura! 14 papéis no miolo e 9 na capa multiplicado por 500 exemplares. Façam as contas e verão como passamos as noites e os finais de semana dos últimos dois meses antes do lançamento do livro.