Comentários do poeta

AS TANTAS DIMENSÕES DO SILÊNCIO

Já no final do processo de criação e publicação dos livros geminados Poemas caseiros e Poemas simples, em 2007, um sentimento um pouco inquietante passou a tomar conta de mim. Muito em breve, em 2010, eu completaria 50 anos e achei que deveria marcar a data com o lançamento de um novo livro. Mas que espírito, sensação ou sentimento a poesia poderia traduzir, para mim, em relação aos meus 50 anos?

A resposta veio rápida e clara: o silêncio. Em todos estes anos - mais de poesia que de vida propriamente dita -, o que mais me tocou foi o tempo que ganhei, e não perdi, ao contemplar o que quer que fosse. Portanto, a dimensão do silêncio, em mim, nunca foi ausência, muito pelo contrário. Silêncio é a possibilidade da observação. Lembro bem que, durante o processo de criação e seleção inicial dos poemas para o livro, assisti a uma entrevista de Dorival Caymmi em que garantia que os baianos não são preguiçosos, mas contemplativos. Pensei: é isso. E a partir dali não havia mais dúvida. “Silenciário” estava a caminho.

Para compor o livro, busquei poemas que tivessem a ver com esse sentimento de observação e escrevi alguns que tentaram traduzi-lo. Foi uma viagem desafiadora e bela no tempo e nos meus cadernos. Reencontrei poemas que, mesmo envelhecidos, ainda davam conta do que eu queria dizer. Aliás, devo confessar que dei preferência a eles, em detrimento de poemas atuais e, provavelmente, melhores. Mas havia uma dedicação, uma liberdade de dor e alegria tão grandes nos antigos que optei por eles. Com certeza, deve haver alguém que, me lendo agora, pensará: louco. A poesia, meus caros, é feito de escolhas, às vezes cegas.

Logo deslumbrei, também, quais eram as dimensões do silêncio que eu queria apresentar: pátria, existência, natureza e amor. Em pátria, a minha difícil relação com o Brasil (a poesia se vê do mundo) e o registro dos lugares por onde passei ou imaginei ter passado. Nessa parte, destaco, não em termos de qualidade, mas de afeto, os dois poemas para Araras, cidade serrana do Rio de Janeiro, lugar a quem o livro é dedicado. Meu porto seguro e perdido. Em existência, poemas que retratassem o espanto calado da infância, o bom e o mau silêncios vividos. Em natureza, o meu amor profundo pelas árvores que, melhor do que qualquer manifestação da natureza (incluindo o homem), compreende e reproduz o silêncio em sombras e frutos. Em amor, versos de encontro, desencontro, saudade e, principalmente, espera. O silêncio é espera.

Quando o livro estava quase todo montado, senti falta de ter algo que remetesse diretamente ao fio condutor de toda essa história, os 50 anos. Esperei até que o silêncio me propôs – e , claro, aceitei – o “Poema prévio para os meus próximos 50 anos”. Como o poema tinha um tom muito diferente do resto do livro, o coloquei como a primeira orelha. A segunda, que traz um poema aparentemente enigmático (¨Rito”), fala do passado mas mira o futuro.

 

Estrutura gráfica e lançamento

Mais uma vez, a designer Heliana Soneghet Pacheco me brindou com um projeto gráfico maravilhoso, que contou comigo apenas na definição da cor da capa, dourado, para comemorar em grande estilo as minhas bodas de ouro com a vida. No projeto gráfico, o luxo de contar com títulos dos poemas montados um a um e o desafio de colar estrelas adesivas (16.000 exemplares) na edição. Também tive outra participação no processo visual do livro, é verdade: pedi à Heliana que estudasse a possibilidade de utilizar fotografias (não impressas, mas reproduzidas em papel mesmo) nas passagens que marcavam as dimensões do silêncio. Eu sentia a necessidade de traduzir visualmente essas dimensões e, para isso, lembrei dos fotógrafos que, em algum momento da vida, manifestaram o desejo de partilhar um livro de fotos e poemas comigo. Havia chegado a hora. Assim, agradeço ao talento e à amizade dos fotógrafos Anna Agonigi, Jackeline Nigri, Luciana Kamel, Janine Bergmann e Erik Barros Pinto.
 
O lançamentyo aconteceu no dia 19 de abril de 2010, nos Arcos da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema (RJ), onde tive outros grandes momentos da minha vida poética, como o lançamento do livro O diário do trapezista cego (1999) e o do recital Um diário para dois (2008).