NAQUELE DIA

Naquele dia
em que palavras se enrolavam
em minha língua
eu não conseguia dizer
eu te amo largo.
Naquele dia em que clamei por justiça
e como num milagre ouvi
eu te amo grande
fui o dia mais feliz da minha vida.

POEMA PRÉVIO PARA OS MEUS PRÓXIMOS 50 ANOS

Não guardo lágrimas
para engrandecer os amores perdidos
nem a camisola de batismo
para saudar o filho que não veio.  

Ainda que não saiba
já posso sorrir à vida.
Conheço-lhe o útero, o ventre
os primeiros passos
os intermináveis recomeços.   

Se daqui a 50 anos
o espelho me apresentar
o homem que agora sou
espero reconhecê-lo 
naquele menino que,
mesmo povoado por labirintos alheios,
sabia sorrir  aos letreiros luminosos do cinema
que garantiam sempre haver uma saída. 

 

PROMISSÃO

À noite, enquanto todos dormem
cubro os solos com palha
desenho flores e casas ribeirinhas
afago iaras e curupiras à beira-mar
ajeito a fantasia de bate-bola das estrelas
sopro nas árvores as franjas palmeiras
escovo as costas caboclas das montanhas. 

Na quietude de cirandas sonhadas
corôo tupã deus do universo
em trono de lua enfeitada por bambus e bananeiras.
Ainda não é tarde para amar este país. 

SILENCIOSAMENTE

Filho adotado pelo silêncio
e pelas horas pesadas que não passam,
nada direi.
Aqui permanecerei quieto
gado esperando o dia findar
para sem sinos voltar ao pasto do dono.
Conhecerei as palavras que mudas reinam
e com elas erguerei cidades e sítios.
Aprenderei o mistério de calar
ainda que um breve canto pareça necessário.
Mais olhos que lábios, mais contemplação que luta
o valor reconhecido da orquestra em repouso
o respeito do inseto que sem zumbido toca a flor.
Espanto do menino que com a mão à boca
recebe o brinquedo desejado
e corre a escondê-lo, em cuidados, sob a cama.
Tempo sem nome, tecido pelo prazer da agulha no pano
a rezar, em copas, o encontro.
Ao coração pedirei licença para somente ouvir
o quase imperceptível murmúrio da saudade. 

Saberei te amar
perdida e silenciosamente
na espera. 

RECADO PARA NOEL

As fábricas não têm mais apitos
muito menos musa inspiradora ou poesia.
Até de nome mudaram: organizações.
O que era folga, hoje é hora extra
férias significam demissão.
Os produtos não estão mais
nas melhores lojas do ramo
mas falsificados pelas esquinas.
Os trabalhadores sobreviventes
dividem a marmita com robôs
e já aposentaram o velho orgulho
de levar os filhos ao local de trabalho
ou contabilizar mais um ano de casa. 

As fábricas que às seis em ponto
devolviam vizinhos cansados mas felizes
sobrevivem apenas na liberdade de quem
ainda ouve vinis e se emociona com chiados. 

 

ARARAS (PONTO FINAL) 

Quando eu puder cuidar do tempo
sendo o deus de meu pequeno quintal
é lá, nas terras de minha última infância,
que quero quarar as boas lembranças
lavar com calma algumas mágoas
ver crescer com saúde e rio os filhos que não tive
perceber brotar um verso ou outro
junto ao pé do abacateiro.
E nada de plantar lamentos, colher solidões
somente ficar lado a lado com o tempo
com o meu tempo e percebê-lo
no gerânio que me der bom-dia
no bem-te-vi que pousar para colorir o telhado
nas longas horas de silêncio agasalhado, café e bolo-de-nada.
É lá, nas terras sagradas de minha adolescência
que poderei novamente estar jovem quando quiser
à tarde subir a montanha com os olhos
deixá-los no topo para que cuidem do vale ao anoitecer
e ser feliz por apenas um instante:
a felicidade cabe no rápido mas definitivo passo de voltar
da porta do abismo para a varanda de casa. 

POEMA AINDA SEM TÍTULO 

Queimem as honrarias, arranhem as medalhas.
De que vale uma conquista com prazo de validade? 

Todos os ideais, hoje, não passam de idéias particulares
em que mais-de-um se mantém singular.
Esquecemos o real valor das individualidades
para em nome do desrespeito brindarmos
os nossos egoísmos. 

Criticamos as obras ao vê-las com olhos cansados
porque invejamos não ter como criá-las.
Desafiamos os livros ao lê-los pela metade
porque julgarmos ter o que escrever. 

Abrimos as janelas e trocamos tiros, não bom-dia.
No lugar de justiça, encontramos justificativas
e absolvições para os que matam. 

Mais do que o rumo, perdemos o lar
e a chance de nos tornarmos homens verdadeiros.
Homens que para alimentarem seus filhos
não precisariam roubar outros homens.
Homens que para defenderem suas posições
não precisariam subjugar outros homens. 

A solidariedade que resta
sobrevive nas migalhas dos que ainda crêem
se não sabem no quê, garantem no quando.
O tempo talvez seja a única salvação possível,
até os discos voadores nos abandonaram. 

Fizemos do planeta um quintal sujo
e nos orgulhamos de mais e mais emporcalhá-lo
com substâncias e substantivos nocivos.
Um dia entenderemos a nobreza de uma árvore?
Por um só dia conseguiremos
não ser nossos próprios inimigos?
Quantas horas os grandes líderes agüentariam
se sentar à mesma mesa sem nada poderem vender?
Para eles peço um minuto de silêncio.
Para nós outros, um minuto de perdão. 

Este poema é um gesto também inútil
já que não possui propostas
tão-somente o propósito de ser ouvido.
Quem sabe por alguém de coração-limpo traduzido
a tempo de não merecer o título de
imundo pensamento desesperançado. 

FAMÍLIA

Quando perguntam
por que não tive filhos
olho em silêncio
para todas as árvores do mundo.
E sorrimos. 

      *
A sombra é o silêncio da árvore.