CARTA A COPACABANA

Copacabana querida.

Há muito te abandonei para sempre. Filho que parte à capital e desiste de voltar ao que nasceu. Te escolhi mãe não para renegar o teu ventre mas o teu colo. Foste o meu sítio do interior, jaqueiras onde fracos edifícios, vacas e vaga-lumes transitando entre os carros e seus intermináveis berrantes. Também foste a minha via láctea, planeta algum, mas o espaço em seu mais nobre ofício: ser desvendado. Te inventei tantas vezes que já não sei ao certo em que lembrança verdadeira te guardar. Lembro de ti como lembro de mim, sem medo de ainda querermo-nos. Então por que não voltar e admitir a saudade de só a ti pertencer sem certidão ou amarra? O que hoje nos separa do perdão? Tuas águas continuam onde as conheci, onde com as minhas me misturei. Como chorei por ti ao perceber que não eras nada além da fonte que me pariu para o mundo. De que vale uma mãe que não sabe reter o filho para sempre em seu útero? Me permitiste sair de teus domínios. Ou fugi para não sentir vergonha de ti, amontoada de visitantes entre as pernas inchadas de tanto cansaço e gozo. Não te culpo, mas a mim, por não poder esperar a tua absolvição. Te deram trilhos, novas luzes, frutos que não provei. Talvez por isso tenha morrido, cego de ti, faminto de te reencontrar em mim. Hoje quem te pisa a cabeça coroada de peixes não são os meus pés mas os pensamentos que pari longe de tuas contradições. Inúteis, pretensiosos, poesia sequer. Pensamentos que de nada te acusarão ou pesarão a existência. Um rancor, uma decência, uma tentativa de sonho. Não estou de volta a teus braços, minha mãe, confusa, bela, engarrafada, predestinada, santa, senhora, profana, misericordiosamente brasileira. E nem te visito em férias de minha lucidez. O que faço aqui, crucificado nos galhos de tuas amendoeiras, em plena madrugada que como um navio me trouxe a ti, é mistério que nem o tempo saberá traduzir. Não me recebas com educação, parcimônia ou ódio. Simplesmente não me recebas. Me deixa fingir que aqui não estou, que aqui estou apenas para novamente sentir pena ou amor de ti. Amanhã, bem cedinho, quando meus passos já tiverem crescido mais um dia, eu nem saberei que aqui estive. Porque não posso lembrar do que só existe quando eu, em mim, abro as grades da prisão que construí sem tuas pedras, com tuas mãos, e me lanço ao despenhadeiro bordado de ruas que se chamam, que me chamam sem conhecer o meu nome.

2006