A POESIA NÃO É SÓ DA LITERATURA

A poesia é um estado de espírito. Não sei se alguém já disse isso. Se disse, concordo. Acho pouco julgar que a poesia é um gênero da literatura. A poesia extrapola gêneros e amarras: ela é um olhar diferenciado sobre a vida. O que quero dizer? Que poesia se faz na vida, não apenas na literatura.

Conheço e conheci pessoas que nunca escreveram um verso e são poetas. O sonho de meu pai era fundar A Cidade dos Meninos, onde morariam todas as crianças sem lar. Isso é poesia pura. A designer Heliana Soneghet Pacheco, que assina o design dos meus livros, foi quem me chamou a atenção para esse fato, numa conversa de fim de tarde: “Não sei se os seus poemas são bons ou ruins, o que importa é o olhar de poesia que você tem sobre o mundo”. Olhar de poesia... Daí concluí que qualquer um, mesmo sem saber escrever, pode ter esse olhar e, genuinamente, ser um poeta. Ela mesma é uma poeta. O modo como pensa um livro, seja de poesia ou de tecnologia, é de quem parte em busca da casa, da pele, da voz da poesia.

Concordo que a maioria dos poetas se aconchega no colo da literatura, mas há muitas cozinheiras, por exemplo, cujo principal tempero é a poesia. Minha avó materna achava que as pessoas elegantes eram infelizes. Para ela, comer muito era sinal de plenitude, realização e beleza. Poesia gordinha, mas pura.

Vez por outra encontro com uma moradora de rua de Botafogo que cuida de suas poucas roupas com uma poesia que não dá nem para comentar. Está sempre com os cabelos imundos mas exibindo penteados exóticos, e desfila com seus sacos de lixo como se fossem malas caríssimas. Não, ela não é um personagem que interesse à poesia – ela vive com poesia.

Quando me perguntavam se eu me considerava um poeta – antes de descobrir que a poesia não é só da literatura -, eu dizia: acho que sou um escritor. Hoje, tenho muito orgulhar de dizer que pertenço à raça dos poetas, que em mim se manifesta via literatura, independentemente da qualidade final dos meus textos poéticos.

P.S.: A poesia em mim, primeiro, se manifesta nos ouvidos. Como ouço coisas que ninguém escuta! Como o vento me engana trocando palavras em pleno curso! Como acho que ouvi palavras na televisão que certamente não foram ditas! Ouvir, sem perceber que estou ouvindo, é a minha inicial gestação poética.

2007