OS RECITAIS PODEM DESVENDAR AS POESIAS

Até ser convidado pela escritora Olga Borelli para fazer uma apresentação mais longa em São Paulo, em 1999, nunca havia recitado meus poemas em público. Achava que não daria para a coisa.

De lá para cá, percebi o prazer infinito de poder, não apenas apresentar as minhas poesias, como também desvendá-las: o verso falado, muitas vezes, é melhor assimilado. Outras vezes não, é verdade, fica sendo apenas uma confissão dividida entre livro, mãos e olhos.

Uma curiosidade: após aceitar o convite da Olga, fiquei dias pensando em como me apresentar a pessoas que nunca haviam ouvido falar de mim. Veio a idéia de escrever um texto poético sobre o meu nascimento, que batizei de “A espécie de anunciação”, que acabou abrindo o meu livro seguinte, Poemas casados.

Depois da experiência inicial em São Paulo, meus amigos me cobraram fazer uma apresentação no Rio. Peguei carona em um dos shows de meu irmão, o cantor e compositor Paulo Corrêa, ainda em 1999, abrindo o seu espetáculo com o mesmo minirrecital que fiz na capital paulista. Foi muito legal. Um retorno que eu realmente não esperava. E passei a aceitar com mais regularidade os convites para participar de recitais coletivos.

A boa recepção do minirrecital no Rio me levou a montar meu primeiro recital individual, chamado Sete senhas, no ano 2000. Baseado no poema inaugural do livro O derrame da pedras, “O tratado dos mágicos”, o recital conta a história de um poeta que sai pelas ruas da cidade espalhando poemas pelos postes para que a pessoa amada não se esqueça. Talvez seja o poema que ainda hoje eu mais goste. Convidei o meu irmão para fazer a trilha e uma participação musical no recital. Pablo Esdras desenhou as “sete senhas” que eu pregava em forma de ilustrações num pano vermelho cravado de botões, cenário criado pela artista plástica Alba D’Almeida.

Outra curiosidade: durante o processo e criação do Sete senhas, escrevi o texto poético “A quatro mãos”, como se fosse uma continuação de “A espécie de anunciação”. É sobre São Damasceno, santo padroeiro inventado por minha poesia, que está sempre presente. Este texto fecha o livro Poemas casados e é um dos que mais alegrias me trouxe na vida, por eu ter travado, inconscientemente, um diálogo com o Menino Jesus, de Fernando Pessoa.

Vale registrar que essa participação do Paulo no Sete senhas acabou inspirando fazermos um CD e espetáculo de música e poesia juntos chamados Sinais urbanos.

O espetáculo Sinais urbanos demorou um bom tempo para ser encenado. Tentamos alguns roteiros, com a ajuda do cineasta e músico Luís Alberto Rocha Melo, mas não achávamos o tom. Ficamos de 2001 a 2002 nessa gestação, até que o filho nasceu – e com um subtítulo que explicava tudo: “Itinerário poético-musical dos errantes”. Ou seja, o espetáculo era um retrato da minha poesia e da música do Paulo diante do caos urbano, das tentativas de encontro, dos abandonos, da esperança de vencer: “A um passo do nada, eu vôo” (poema final do livro O derrame das pedras).

Mas antes de apresentá-lo, decidimos que faríamos um CD, gravado ao vivo no estúdio, para deixar registrado o nosso encontro poético-musical. Para ilustrar, utilizamos os desenhos do Pablo Esdras criados para o Sete senhas. As tais voltas que o mundo dá.

Atualmente, estou me dedicando à criação de meu segundo recital individual, chamado Um diário para dois, baseado nos livros Poemas caseiros e Poemas simples, lançados em outubro de 2007 Se tudo correr bem, estréio no início de 2008.

Bem, tudo isso para dizer que falar poesia é muito diferente de escrever, que é muito diferente de publicar. São emoções particulares que, às vezes, se complementam, às vezes, não. Escrever é uma necessidade íntima, permanente. Publicar é uma necessidade ocasional, muito ligada a sonhar e querer ver o sonho concretizado. Recitar é uma necessidade de explicar ao outro o que escrevi ou publiquei – e também uma necessidade de namorar um pouco a quem me assiste.

2007