Comentários do poeta

POEMAS CASEIROS: A HISTÓRIA DE QUANDO ENVELHECERMOS

A história de quando envelhercermos é o subtítulo do livro Poemas caseiros e resume com muita propriedade o porquê do livro. Um dia, em minha casa, lá pelos meados de 2002, tive a sensação de ser um velho senhor escrevendo, no escritório, poemas para a pessoa amada, que estaria na sala do apartamento. Essa sensação ficou em mim durante muitos dias e aí percebi que começava a nascer uma história e, mais tarde, vi que era um livro.

Poemas caseiros conta essa história de amor através de poesias que eu já havia escrito e de poesias especialmente criadas para o livro. Há um sentimento de casa e de outono que percorre cada página. Aparentemente, é um livro entristecido, meio desfolha, mas com o passar dos poemas fica claro que conta uma história de encontro, desencontro e, finalmente, de permanência, como se a trajetória percorrida fosse realmente apenas um caminho para chegar a um lugar previamente definido.

O poema inicial, de uma certa forma, traduz o espírito do livro, sendo uma introdução real à história.

CORPO E POESIA

Admito este poema
amor maduro, duradouro
relíquia apurada dos anos.
Dói, mas pouco
ter que também nele admitir
o corpo cansado, vivido
especiaria estranha dos anos.

Antes de chegar
as canções do rádio o escondiam
entre versos e melodias -
pareciam gostar de minha espera.
Mas eu já sentia
a reconhecida respiração
o jeito caseiro de pensar o futuro.
Até que veio e cumpriu-se
o acordo orquestrado no acaso:
um só corpo.
Aprendemos a amá-lo, desprezá-lo
mas com ele estarmos
no passeio matinal e nas vertigens.
Este corpo que nos une
mesmo sono, métrica mesma
é o poema que nos acompanha
pertence a todos os livros
mas só decifrado por nós.

A poesia do corpo não admite o tempo.
Deixemo-na sempre à cabeceira, mas livre
para sair, entardecer onde sonhar
e voltar à casa no final de mais um dia
pedindo colo e juventude.



Além dos poemas de amor, o livro traz poesias dedicadas à convivência dentro de uma casa e uma particularidade: versos sobre objetos que coleciono, como imagens de santos (sem qualquer teor religioso, apenas estético). Há, também, uma minissérie, uma ruptura que aparece em dois momentos do livro: “Um diário para dois”. Um mesmo espaço em que os dois personagens centrais do livro escrevem, sem a ciência do outro, sobre a dificuldade de dizer adeus e a esperança de reencontrar. O que literalmente acontece, tendo no poema “Sobreviventes” a síntese de toda a história esculpida.

 

SOBREVIVENTES

Envelhecemos sem remorsos a cada dia.
Olho o que fomos e honro a nitidez das fotografias.
Reconheço os passos no mapa das considerações
e lembro onde os filhos foram entregues ao tempo.
Plena a verdade de que ficaram os cheiros
curtidos em vinhos que já não se fabricam
guardados nos potes de ouro maciço das lembranças.
Enfrento os velhos ventos do frio
ainda de mãos nos bolsos mas agora livres
a rescreverem letra por letra da história esculpida.
Não faltaram palavras de consolo ou fé
tudo foi dito ou abandonado na hora devida
e os degraus construídos sob as ordens do acaso.
Piso as folhas das árvores que conhecemos:
o barulho de vida pulsante me faz rir com prazer.
Provo a sabedoria de tanto saber o nada de todo dia
e a felicidade suprema de atingir a cor de não morrer.
Somos as chaves do que vinga e não pede vitrine
quer apenas descortinar a próxima curva.
O orgulho de não temer o realizado
O sabor de requentar a esperança
dons que soubemos viver sem prejudicar o andamento do mundo.
Sobreviventes de nossas próprias alegrias e limites
hoje comungamos o mérito da permanência.
Se existisse, o arrependimento daria lugar ao agradecimento.

 

Estrutura gráfica e lançamento

Como todos os meus demais livros, o design é assinado por Heliana Soneghet Pacheco, com quem gestei a cara e o corpo do livro por quase dois anos. Eu dizia para ela: “Precisa ter madeira, é uma casa”. E ela respondia: “Mas precisa também ter rosas”. Após algumas tentativas, chegamos à conclusão de que o livro poderia ter a capa de madeira, como uma porta, convidando o leitor a entrar nos poemas. Mais tarde, acabou evoluindo para uma caixa de madeira para abrigar também o livro Poemas simples – os dois foram lançados como uma só edição.

Mas por que uma só edição? Os livros acabaram nascendo praticamente juntos e eu não sabia qual lançar primeiro. Ambos tinham o amor como tema central e, um dia, assistindo à TV me deu um clique: têm que sair juntos, de alguma maneira próximos. E acabaram germinados, como irmãos. Ou como amantes (um leitor mais atento verá que um ou outro poema acabou pulando de um livro para o outro).

A capa é vermelha, porque a cor desse amor é essa, com letras vazadas em branco. O fundo rebaixado reproduz a renda branca que literalmente ampara os poemas que falam sobre os santos da casa. E como o livro conta uma história de longo percurso, Heliana decidiu usar um papel areia para as páginas de dentro. Quanto às rosas, ela passou a guardar, dentro de livros e durante três ou quatro anos, todas as flores que recebia de seu namorado. Essas pétalas foram coladas nas páginas de três poemas – os demais contam com flores já impressas no alto de cada página. Poemas caseiros carrega, e entrega ao leitor, pedaços vivos de minhas histórias de amor e da de Heliana.

O lançamento de Poemas caseiros / Poemas simples acontecerá no dia 2 de outubro de 2007, no Unibanco Artplex Livraria, em Botafogo (RJ). Na noite, acontecerá a leitura de poemas por pessoas diretamente ligadas à minha poesia e ao meu coração.