Comentários do poeta

POEMAS SIMPLES: VERSOS DE BARRO E FLOR

O livro nasceu de uma tentativa minha de dar uma resposta à pessoa amada que me disse um dia: “Acho que poesia tinha que ser algo simples, que a gente entendesse de cara”. Pensei: tenho um enorme desafio pela frente: fazê-lo entender o que tão sinceramente escrevo para ele. Desse dia então – por volta de 2004 -, passei a escrever uma série de poesias de amor chamada "Poemas simples", um exercício difícil mas tentador.

Da série à necessidade imediata de publicar o livro foi um pulo. A questão é que eu já estava montando o Poemas caseiros e não teria como editar dois livros ao mesmo tempo. Tinha sim. Havia o tema central em comum – o amor – e acabaram acontecendo paralelamente. Quem colaborou muito para isso foi o personagem de um conto meu, chamado Rober Yanoven, que a toda hora surgia na minha cabeça, como dizendo em silêncio: “Tenha calma, siga em frente, é possível sim”. O conto fala de um amor muito profundo e o utilizei como referência para a formatação final do livro.

Construção e delicadeza

Poemas simples tem o subtítulo de Versos de barro e flor, e os poemas brincam um pouco com essas duas idéias, da construção e da delicadeza. O amor como barro, o amor como flor, o amor como a possibilidade de ser um verso que basta e de ser um acontecimento feliz. Na verdade, Poemas simples me remete muito ao meu primeiro livro, Entre dois invernos, pelo cheiro de verão e pelo espírito de juventude e frescor.

O poema inicial “Lascívia”, que de tão intenso e urgente foi publicado antes da página de rosto, é a síntese do livro.

Quem ele pensa que é?
Redentor de mágoas
Feitor de milagres
Criador de destinos?
Será que se acha Deus para me reinventar humano
encharcar minha pele de febres
abençoar meu gozo com estrelas
e me fazer perder o chão e o bom senso ao reconhecê-lo Deus?
O que quer este Deus de barro
em seu andor de luzes frescas
procissão secreta pelas ruas da cidade
a levar meus olhos para o porão do mais profundo desejo?
Vai ver é Deus ao avesso
que nem se preocupa em cuidar desta alma
a pressentir cheiros devastadores
a confessar crimes não cometidos
a correr perigos desnecessários
alma que é capaz de mentir por um gemido banal.
Não, não pode ser o Deus
que mora nas bíblias torás corões evangelhos,
nos rituais sacrifícios salmos presságios
não o Deus que aprendi a amar e a temer sobre todas as coisas.
Não, possui pêlos e instintos selvagens
sorri como uma tarde quente da adolescência
é meio leopardo meio potro
índio demais para ser o todo poderoso.
É Deus nada, mas tudo pode
sorvete no frio missa sem altar carnaval em abril
até inibir velhinhas com carinhos obscenos em mim.
É Deus sim, se fosse apenas um homem
não lembraria tantos atalhos em meu corpo
ao menos esqueceria datas
nem se importaria em meu prazer ser sempre sagrado.
E o que fazer com este Deus de flor
tesa aberta primaveril rosa cravo peninsular
a me invadir de breves mares a cada beijo?
Pelo sim, pelo não, Deus
balbuciado na oração do santo do dia
para que Deus o conserve Deus
nestas intermináveis horas de lascívia.

O leitor mais atento perceberá que o livro se divide em três fases: a do encanto, a de um breve padecer, e a de uma eterna encantação. Talvez seja o meu livro mais livre, o que me permitiu ser leve sem deixar de ser profundo, eu acho. Logo após a abertura, o poema “Auto-retrato” confirma o que o leitor leu antes da folha de rosto, como uma confirmação: “É isso mesmo. Topa continuar a viagem?”

Eu te amo
é o grito de maior coragem para um amante.
Entre tantos amores do mundo
o meu verso.

Depois de montado, percebi que Poemas simples tinha outra similaridade com Poemas caseiros, além de ser um livro de amor: a figura de um santo, aqui São Sebastião, que surge no início e quase ao final do livro como uma resposta à pergunta inicial do poema “Lascívia”: Quem ele pensa que é? (...) Será que se acha Deus para me reinventar humano?(...). Ele é São Sebastião, cuja beleza e vigor são o fio condutor de todo o livro. Um poema que me interessa muito é o que fecha o livro, “Sempre”, pela sua simplicidade e coragem.

Achei que levaria muitos anos (não muitos)
para alcançar o mistério que avizinha cravos e arranha-céus
e ter a sabedoria que faz do erro uma tentativa.

Achei que tropeçaria em muitas palavras (muitas mesmo)
até chegar à frase mais que perfeita
em sentido loucura forma e precisão.

Achei que usaria muitas máscaras (talvez não muitas)
para conhecer a fundo o papel de amante
e suas promessas, mais que verdadeiras, irrecusáveis.

Achei muitas coisas (talvez muitas)
mas jamais imaginei que pudesse nascer tão cedo
a glória e o risco profundos de dizer eu te amo.

Eu te amo ontem porque sempre te amei
Eu te amo hoje porque sempre te amo
Eu te amo amanhã porque sempre te amarei.

Estrutura gráfica e lançamento

A designer do livro, minha fiel parceira Heliana Soneghet Pacheco, tinha um enorme desafio: contar visualmente a simplicidade dos versos. Fizemos várias viagens, inclusive tentando utilizar diversas imagens de São Sebastião na capa e no miolo. Mas o segredo estava mesmo no subtítulo Versos de barro e flor. Para a capa, ela acabou optando por um verde muito vivo, “como a paixão”, com os títulos em marrom em função do barro. Ao fundo, flores rebaixadas. Para o miolo, a surpresa fica por conta dos papéis de presente, cujo tema são flores, para demarcar os três momentos do livro. Só mesmo uma designer do porte da Heliana seria capaz de bolar algo tão simples e ao mesmo tempo tão elegante e comovente.

Poemas simples é uma edição conjunta com Poemas caseiros e ambos estão protegidos por uma caixa de madeira (o porquê da caixa de madeira pode ser conhecido nos meus comentários sobre o outro livro).

O lançamento de Poemas caseiros / Poemas simples acontecerá no dia 2 de outubro de 2007, no Unibanco Artplex Livraria, em Botafogo (RJ). Na noite, acontecerá a leitura de poemas por pessoas diretamente ligadas à minha poesia e ao meu coração.